sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Associação vê déficit de engenheiros eletricistas no Brasil

ABEE aponta para mercado em alta, mas alerta para falta de profissionais
As notícias de que a economia brasileira vai bem são sempre bem-vindas. Economistas esperam um forte crescimento econômico para 2010 e o cenário para os próximos anos também é animador. Contudo, o setor de infraestrutura, mais especificamente o de energia elétrica, pode esbarrar em um obstáculo chamado mão de obra especializada. E isso pode ser a chave na roda do desenvolvimento nacional.


O engenheiro eletricista e diretor nacional da Associação Brasileira de Engenheiros Eletricistas (ABEE), João Oliva, alerta que há déficit de profissionais na área de engenharia elétrica.
O especialista também reclama da existência de um grande volume de cursos de nível superior de baixa qualidade que formam os novos engenheiros brasileiros para o mercado de trabalho.
Além da vigorosa ascensão do Produto Interno Brasileiro (PIB), a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos aumentarão ainda mais a demanda por profissionais qualificados que sejam capazes de tocar as obras necessárias para garantir a infraestrutura desejada para o País abrigar esses eventos.
Oliva, que conversou com exclusividade com a Revista GTD Energia Elétrica, destaca que o momento é bom, mas é preciso que o Brasil se prepare adequadamente. "De cada quatro profissionais formados, três precisariam de alguma requalificação", estima o diretor da associação, com base em uma pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo.
Por outro lado, o Brasil tem centros de excelência no ensino de engenharia, como o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e a própria USP. E, enquanto cursos fracos jogam alunos no mercado, profissionais de alto nível formados nessas instituições acabam muitas vezes deixando o País em busca de melhores oportunidades. Oliva acredita que a discussão dos salários no setor é "uma questão-chave" para que essas escolas não sejam meras importadoras de engenheiros.
O diretor da ABEE também aponta o alto potencial brasileiro na formação de profissionais nas áreas de petróleo e gás e, mais recentemente, de energias renováveis. "As entidades de ensino terão que se adequar para os cursos de preparação desses profissionais que buscam novas oportunidades de mercado", afirma.
Confira os principais trechos da entrevista:
Como a associação analisa a área da engenharia elétrica no País atualmente?
João Oliva: O mercado está bastante aquecido em função do crescimento pelo qual o País está passando. Hoje, temos estimativas que apontam para um crescimento de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) no ano, um fato é muito positivo. Isso faz com que a engenharia cresça de um modo geral e o campo da engenharia elétrica é bastante amplo.
Então, o aquecimento do mercado de engenharia é um fato novo?
Se fizermos uma avaliação dos últimos 30 anos, em um período houve um sucateamento muito grande da engenharia como um todo e o mercado de trabalho teve uma recessão intensa. E o que aconteceu com os profissionais? Eles acabaram deixando o mercado de trabalho da engenharia e foram para outros nichos de negócios. Isso refletiu diretamente na questão da mão de obra especializada.
Como o senhor vê o futuro da profissão no curto e no médio prazo?
A perspectiva é muito grande para os próximos anos. Nós teremos alguns marcos de desenvolvimento com a retomada pós-crise. As empresas estão atuando fortemente em nosso mercado de engenharia elétrica, de novas tecnologias e fontes renováveis. Isso faz com que nosso profissional seja selecionado para atuar em diversos ramos da engenharia elétrica. E os marcos daqui para os próximos anos são, sem dúvida alguma, a realização da Copa do Mundo no Brasil, em 2014 e, em 2016, as Olimpíadas no Rio de Janeiro.
Quando o setor público traça planos de longo prazo para esta década, faz com que a engenharia novamente venha a ser um ponto importantíssimo para alavancar o desenvolvimento. Ninguém consegue desenvolvimento se não houver mão de obra preparada, especializada, formada nas universidades e nas escolas de engenharia.
O senhor considera que a oferta de engenheiros eletricistas no País atende a demanda exigida atualmente?
Essa é uma boa questão. Em função do histórico anterior, tivemos uma baixa procura para a formação da engenharia. Até pouco tempo atrás, o profissional da engenharia tinha os melhores salários. Hoje, está melhorando um pouco. Mas, ao longo desses últimos anos, a perda do poder aquisitivo desse mercado de trabalho e também o desemprego no setor fizeram com que os profissionais interessados em lecionar deixassem de procurar as escolas técnicas e as escolas de engenharia. Tivemos um período muito grande sem investimentos na área.
No segmento de geração de energia, por exemplo, nós deixamos de formar profissionais para atuar no âmbito da engenharia elétrica de potência. Então, muitas escolas passaram a ter pouquíssimos alunos e algumas deixaram de ter turmas nessa área. Existe uma falta no mercado dessa mão de obra, o que está fazendo com que muitos profissionais estejam buscando novamente esse curso, assim como as escolas estão começando a voltar a oferecer essas oportunidades.
Então existe um déficit?
Para formar um profissional da área de engenharia são necessários alguns anos. Na graduação, são cinco anos e, em muitos casos, além da graduação, você precisa do profissional no programa de trainee, para que ele adquira uma experiência de cultura empresarial e de habilitações no campo de trabalho. Como tivemos também esse momento em que o profissional se afastou do mercado de trabalho e da formação, existe um déficit profissional para atender o mercado de trabalho. Então, são duas situações: a falta de profissionais preparados e capacitados e a falta de novos ?engenheirandos? para o mercado.
O que pode ser feito para reduzir esse déficit?
Acho que as empresas teriam que buscar os profissionais, mesmo os que não conseguiram se atualizar profissionalmente, para que eles pudessem ter uma oportunidade nesse novo mercado. Porque o mercado que existe hoje é novo, com novas exigências profissionais. Mas existem, sim, muitos profissionais que estão se oferecendo, mas não estão atualizados para a demanda que existe. Existe um grupo de profissionais que precisa de uma oportunidade nesse novo mercado e as empresas precisam investir para recapacitar e utilizar essa mão de obra.
Qual sua opinião sobre a qualidade do profissional brasileiro da engenheira elétrica?
Eu diria que existe o ¨engenheirando", que é o novo profissional, que tem conhecimento das novas ferramentas, das novas tecnologias. Em que pese, muitas escolas que foram abertas no Brasil não têm a melhor capacitação para esses alunos. O mercado é muito exigente. Existem até alguns estudos da USP que afirmam que a cada quatro profissionais que estão chegando ao mercado de trabalho, apenas um está perfeitamente qualificado para as exigências e três precisariam passar por uma reciclagem, por uma formação mais adequada para que o mercado pudesse absorvê-los. Tudo isso em função do grande número de escolas que foram abertas sem grande fiscalização do Ministério da Educação e muitas vezes sem a condição adequada para formar o profissional.
E como essa situação pode ser contornada?
Tanto o governo quanto as instituições de ensino e as empresas precisariam somar esforços para uma tomada de decisão em relação a essas exigências de mercado. Não cabe às empresas apenas esperar que o mercado ofereça os profissionais de que elas precisam. O que se faz com essas três pessoas não capacitadas (referindo-se ao estudo da USP da resposta anterior).
E o que se faz também com essa mão de obra que tem entre 40 e 60 anos e é capacitada, do ponto de vista cultural, a absorver novas tecnologias e conhecimentos e que ainda não está preparada para esse novo momento de demanda? É preciso montar uma operação para resgatar esses profissionais. Estamos em um ponto em que estão chegando profissionais de outros países para concorrer no mercado interno, porque existe uma falta de mão de obra preparada, o que eu acho um descaso com aqueles que investiram ao longo de todo o processo de formação profissional.
Esses cursos de menor qualidade preocupam a ABEE?
Temos realidades distantes de formação profissional. Temos celeiros formadores de excelência, aqui na Universidade de São Paulo (USP), no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), em outros Estados, escolas federais, inúmeras faculdades que formam excelentes profissionais. Mas, se considerarmos o número de faculdades de engenharia que existem, é um número relativamente pequeno de profissionais que está sendo formado com essa excelência.
A formação profissional hoje não abrange só o conhecimento técnico-científico. Ela compreende a habilidade do profissional que tem bom potencial para o gerenciamento, supervisão e fiscalização das obras que estão ocorrendo. Então, é um profissional que tem um perfil mais eclético. Tem uma carência também nesse sentido.
Existe alguma área vista como mais promissora na engenharia?
O setor energético voltou a ter investimento e o mercado voltou a contratar mão de obra especializada. O mercado voltou a ter perspectivas muito boas para todas as áreas da engenharia elétrica. Em São Paulo, temos fortes investimentos na área de transporte, perspectivas de expansão de metrô, trens metropolitanos. Hoje não existe lugar no Brasil onde não haja grandes investimentos na área de energia elétrica, telecomunicações, transporte. Isso é que propicia o crescimento. E a relação entre crescimento econômico e o mercado de engenharia é direta.
Em que área o profissional de energia brasileiro se destaca?
No segmento de petróleo, gás e energias renováveis. É algo que vem em função da Petrobras, das novas empresas de energia que estão surgindo e estão interessadas em nosso mercado. Isso faz com que os profissionais sejam muito bem absorvidos.
A energia renovável, então, é um campo em alta?
As escolas sempre prepararam o engenheiro eletricista no âmbito da geração da energia hidráulica. As energias renováveis são mais recentes, mas os profissionais já têm procurado os cursos de especialização. O profissional de engenharia elétrica está permanentemente se atualizando. Em energias renováveis, por exemplo, pegamos como exemplo o mercado do Nordeste, com um potencial de geração de energia eólica muito grande. O Rio Grande do Sul, também. Temos que fazer investimentos para formar os profissionais. No setor de biomassa, também.
Para cada um desses novos ramos de negócios existe uma necessidade de preparação da nossa mão de obra de engenharia. As entidades de ensino terão que se adequar para os cursos de preparação desses profissionais visando essas novas oportunidades de mercado. O engenheiro tem uma formação bastante eclética, científica, cultural, de planejamento, de envolvimento com outros profissionais, liderança. Ele tem facilidade, pela sua formação acadêmica, em absorver novos conhecimentos.
Como o senhor vê os investimentos em pesquisa na área?
O número de trabalhos que estão sendo produzidos nos laboratórios ainda é pequeno se comparado com outros países. Temos alguns centros de excelência, mas o Brasil, pelas dimensões que tem, pelas oportunidades que tem, teria que ter os centros de desenvolvimento tecnológico formando mais cientistas. Porque é dos experimentos científicos que vem a engenharia aplicada. Sentimos que exportamos muita matéria prima e pouco produto com valor agregado e também mão de obra. Os profissionais especializados brasileiros desses centros de excelência acabam indo para fora.
Isso acontece bastante?
Tem acontecido em função das oportunidades de melhores ganhos. Acabam os profissionais sendo altamente especializados no Brasil, nos laboratórios, ou saindo das excelentes faculdades, e encontrando mercados mais interessantes lá fora. Nossa mão de obra especializada tem ainda uma baixa remuneração. Estamos longe de alcançar o índice de remuneração que tínhamos quando a engenharia era muito valorizada no Brasil.
Acredito, sim, que isso vai acontecer novamente. Porque se não tivermos mão de obra especializada, não vamos ter a força de trabalho capaz de dar sustentação a tudo isso que está acontecendo do ponto de vista do desenvolvimento. A remuneração é uma questão-chave, porque, se ela não for boa, nossos profissionais acabam indo embora. Os nossos cientistas que foram embora não voltaram.