Cláudio Accioli, especial para Plurale em revista
Eles existem há mais de cem anos, mas durante a maior parte desse tempo foram vistos com desconfiança e uma boa dose de ceticismo. Aos poucos, porém, os chamados carros “verdes” ou ecológicos, com baixa emissão de poluentes, ganharam terreno, credibilidade e defensores, passando a ser considerados alternativas reais de mobilidade em um planeta cada vez mais carente de saúde ambiental. Sejam híbridos ou elétricos, seu mercado avança na mesma velocidade da adesão de governos e consumidores aos conceitos de sustentabilidade, levando as principais montadoras do mundo a abrir-lhes espaço crescente em seus planos e pátios.
Os recentes eventos do setor foram vitrines dessa tendência. Na França, o tradicional Salão de Paris, promovido em outubro, reuniu uma expressiva quantidade de lançamentos, em especial no segmento dos híbridos, que combinam motores a combustão e elétrico. No Brasil, o 26º Salão Internacional do Automóvel, realizado no Pavilhão de Exposições do Anhembi, em São Paulo, entre os dias 27 de outubro e 7 de novembro, também se caracterizou por apresentar diversas novidades no setor. Foi uma edição histórica da feira bienal, que comemorou 50 anos e contou com a cobertura de Plurale em Revista.
As primeiras versões de veículos elétricos datam do século XIX e faziam grande sucesso, dominando os estandes de venda. Para que se tenha uma ideia, por volta de 1890, esses modelos chegavam a vender até dez vezes mais do que os concorrentes movidos a gasolina. Grande parte dos fabricantes que mais tarde se destacaram na produção de carros com motor a explosão – incluindo a pioneira Ford - teve sua origem associada aos elétricos.
Mas por que essa tecnologia não prosperou? De forma geral, pelas mesmas limitações que persistem ainda hoje: produção de custo elevado, dada a falta de escala; peso, tamanho e baixa capacidade de armazenamento das baterias, o que implica autonomia reduzida; e ausência de infraestrutura para abastecimento. “Na época, o que se buscava era apenas percorrer o mesmo trajeto por um custo menor, sem levar em conta questões ambientais. Por isso, os veículos movidos a gasolina acabaram se mostrando uma opção economicamente mais viável, sobretudo após a introdução do conceito de linha de montagem, em 1910”, explica o supervisor de Engenharia e Planejamento da Mitsubishi Motors no Brasil, Fábio Maggion.
A produção em série aniquilou os pequenos fabricantes de elétricos, com direito a uma ironia: foi a incorporação de um dispositivo elétrico para efetuar a ignição dos motores a explosão (o chamado arranque) que alavancou de vez as vendas dos carros movidos a gasolina, ao livrar os motoristas da folclórica e incômoda manivela. Ainda assim, alternando períodos de maior ou menor interesse, o fato é que os especialistas e fabricantes jamais abandonaram completamente as experiências com os veículos elétricos e híbridos. “A tecnologia de híbridos associando motores elétrico e a diesel teve grande impulso na Segunda Guerra Mundial, em especial para uso em caminhões de transporte de equipamento militar pesado. Depois, foi aplicada a locomotivas e até a navios”, diz o diretor-presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), Pietro Erber.
Entre erros e acertos, as soluções foram avançando e se tornando mais viáveis, em particular no que diz respeito à evolução das baterias e de outros componentes estruturais desses veículos. Mas a maior e mais decisiva transformação ocorreu recentemente, sob a forma de uma importante mudança de paradigma: o conceito de eficiência energética, até então restrito à lógica puramente econômica, passou a abranger também aspectos ambientais, visando à redução dos níveis de emissão de CO2 e outros gases de efeito estufa, que contribuem para o aquecimento global.
No mundo inteiro, a adoção de controles cada vez mais rigorosos neste sentido tem acelerado a busca por tecnologias limpas, em especial no setor de transportes, responsável pelo consumo estimado de cerca de 60% do petróleo produzido no mundo e 14% das emissões de CO2. Cientes da resistência natural a novidades, e diante dos preços ainda elevados dos veículos ambientalmente amigáveis ante os tradicionais, países como EUA, Japão, China e alguns membros da União Europeia vêm praticando políticas de incentivo que incluem não apenas vantagens fiscais, mas também bônus diretos na aquisição desses modelos (que chegam a ultrapassar US$ 5 mil em alguns países).
“No momento, independentemente da tecnologia, o que existe em escala global é uma busca de todas as montadoras por motores menos poluentes e mais econômicos no uso de combustíveis líquidos, para atender aos programas de controle de emissões. Porém, como esses programas estão chegando ao limite de sua capacidade de produzir resultados, será preciso encontrar novas soluções. Daí o interesse despertado pelos veículos híbridos e elétricos”, afirma o diretor das Comissões Técnicas da Sociedade de Engenheiros da Mobilidade (SAE Brasil), Luso Ventura.
Por trás da questão ambiental, há a preocupação estratégica desses governos de assegurar que suas indústrias automobilísticas dominem as novas tecnologias e se tornem competitivas nesse mercado, que tende a crescer no futuro. Dados da consultoria PwC mostram que a participação de carros elétricos e híbridos nas vendas globais evoluiu de 0,8% do total em 2008 para cerca de 1,8% em 2010, devendo alcançar 4% em 2016. Há quem aposte em uma frota de 10% em 2020.
Em números absolutos, as vendas desses modelos em 2010 já superam a barreira de um milhão de unidades, com grande predominância dos países asiáticos. Em outubro, a Toyota anunciou que o seu híbrido Prius, lançado em 1997, ultrapassou a marca dos dois milhões de carros comercializados. A Honda, com o híbrido Insight, e a Mitsubishi e a Nissan, com seus elétricos i-MiEV e Leaf, respectivamente, também vêm investindo forte em tecnologia limpa. No ano passado, veículos híbridos já foram os mais vendidos no Japão, dentre todos os segmentos.
No Brasil, embora os programas de inspeção e controle de emissões veiculares tenham evoluído nos últimos anos, a presença de automóveis híbridos ou elétricos ainda é incipiente, limitando-se a experiências sem fins comerciais, visando apenas ao desenvolvimento da nova tecnologia. O quadro, porém, começou a se alterar recentemente, com o crescente interesse das principais montadoras em introduzir seus veículos ecológicos no país: “Essas ações, embora não representem o business das empresas, são uma espécie de bandeira tecnológica, uma demonstração de que nenhuma delas quer ficar fora desse novo mercado”, analisa Luso Ventura. No caso brasileiro, um mercado que deve fechar 2010 como o quarto do planeta, atrás apenas de Japão, EUA e China.
Atento ao novo cenário, o governo brasileiro analisa a edição de um pacote de medidas para estimular o uso dos carros elétricos e híbridos no país, com base na concessão de incentivos fiscais tanto para a compra quanto para o desenvolvimento tecnológico. Atualmente, por não contar com uma classificação específica na tabela de incidência do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), os veículos elétricos são tributados à alíquota máxima para automóveis: 25% - cerca do dobro da vigente para os demais.
O programa está sendo conduzido por um grupo de trabalho no âmbito da Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda, mas ainda não foi aprovado, por envolver uma questão delicada: o estímulo a esses veículos ameaçaria o desenvolvimento da tecnologia flexível em combustível (leia-se etanol), na qual o Brasil foi pioneiro e que tem consumido grande parte dos investimentos das montadoras nacionais nos últimos anos.
“O programa precisa refletir a realidade do país. Por isso, do ponto de vista do governo, esta ação de eletrificação veicular deverá estar casada com a atual política de combustíveis, que é de reforço ao uso do etanol. Trata-se de uma opção energética do Brasil muito elogiada internacionalmente e que vai ser mantida, pois nos confere autonomia”, afirma o secretário adjunto da SPE, Dyogo Oliveira, lembrando que os demais países, por não contarem com essa alternativa, tornam-se mais dependentes das novas tecnologias e, portanto, mais propensos a estimulá-las: “Na verdade, estamos falando de adaptar a tecnologia às condições de mercado de cada país”.
Nesse contexto, Oliveira não hesita em apontar os veículos híbridos como soluções mais compatíveis com a atual realidade brasileira do que os elétricos puros: “Para nós, seriam a chamada solução ótima, pois abririam espaço para a utilização do etanol na parcela de sua força motriz proveniente do motor a combustão. E é visível que a indústria automotiva tem concentrado seus investimentos mais nesse segmento”, diz o secretário, que demonstra um interesse especial por automóveis e foi conferir pessoalmente as tendências no recente Salão de Paris: “É impressionante como todas as grandes montadoras do mundo apresentaram veículos híbridos e elétricos, não mais como meras curiosidades, mas como as principais estrelas de seus estandes”.
Aos mais animados, porém, Oliveira lembra que, no caso do Brasil, o programa de incentivo a esses modelos visa principalmente a assegurar o domínio da nova tecnologia, sem fixar metas de curto prazo. E resume a proposta de forma bem objetiva: “O país tem que estar apto a desenvolver e produzir esses veículos, o que não necessariamente significa dizer que irá fazê-lo. Vivemos uma fase de transição tecnológica da indústria, que está começando agora e não sabemos quando se tornará relevante. A única certeza que temos é a de que o Brasil não pode ficar fora dela”.
Onda verde chega ao Brasil: grandes montadoras sondam mercado no país
O 26º Salão do Automóvel mostrou uma grande quantidade de veículos híbridos e elétricos (muitos deles sob a forma do chamado “conceito” ou carro de imagem), mas a maioria não está disponível para o consumidor brasileiro. Embora tenham avançado nos últimos anos, as iniciativas mais concretas das grandes montadoras no país ainda estão restritas a testes, pesquisa e desenvolvimento.
Quem desejar adquirir um moderno veículo híbrido, por exemplo, terá somente duas opções: o Mercedes-Benz S-400 e o Ford Fusion Hybrid (foto acima), cuja venda em território nacional foi anunciada durante o evento pelo próprio presidente da empresa, Marcos de Oliveira. E deverá estar disposto a pagar caro pelo privilégio. Vendido sob encomenda, o sedã de luxo alemão custa US$ 253,5 mil (cerca de R$ 430 mil). Lançado em julho, alcança a marca de 12,66 km/l, com emissão de CO2 de 186 gramas por quilômetro, segundo dados da fábrica.
Já o Fusion Hybrid tem preço de R$ 133.900,00 e promete consumo ainda menor, acima dos 17 km/l, também de acordo com a montadora: “Trata-se de um produto com a mais avançada tecnologia voltada à sustentabilidade, e que terá emissões 90% inferiores aos níveis exigidos para 2015. É parte fundamental da estratégia da Ford para o futuro, em especial quando o Brasil começa a discutir a eletrificação veicular”, disse o presidente da montadora no lançamento.
Com ambições ainda maiores quanto à meta de emissão zero, Mitsubishi e Nissan apostam suas fichas em modelos elétricos puros, eliminando a etapa de transição dos híbridos: o i-MiEV (compacto para quatro passageiros) e o Leaf (hatch com capacidade para cinco pessoas), respectivamente. Lançados no Japão, ambos têm autonomia de até 160 km - considerada boa para veículos de perfil urbano – e suas baterias, de íons de lítio, podem ser recarregadas em tomadas comuns, de 110 ou 220 volts – de preferência de madrugada, quando a tarifa é mais barata, ensinam seus idealizadores.
“Para o Brasil, o i-MiEV seria perfeito, pois o país tem uma matriz energética muito limpa, gerada por usinas hidrelétricas, principalmente nos grandes centros urbanos, o que favoreceria uma emissão zero de CO2”, destaca Fábio Maggion, da Mitsubishi. A montadora planeja vender o carro no Brasil, mas antes fará um trabalho de ambientação, cedendo-o para uso de empresas de energia e órgãos governamentais. “Queremos mostrar que já se trata de uma realidade, não de um projeto. A ideia é vender ao público em 2015, o que pode ser considerado um ótimo prazo”.
Planos muito parecidos com os da concorrente para o Leaf. No Salão do Automóvel, o chairman da Nissan para as Américas, Carlos Tavares, informou que a empresa assinou um protocolo de intenções com a Prefeitura de São Paulo para que o carro seja utilizado nas frotas da cidade. “É um compromisso que estamos assumindo com o meio ambiente. Mais adiante, os brasileiros terão à disposição um veículo de emissão zero e com baixo custo de manutenção, capaz de proporcionar uma economia de até R$ 14 mil em três anos de uso”.
Outra grande montadora que está atenta à evolução das novas tecnologias voltadas para redução das emissões de CO2 é a Fiat. Líder do mercado no Brasil, a empresa foi a primeira a conceber a propulsão elétrica para um chamado carro de série – no caso, um Palio -, a partir de convênio firmado em 2006 com a Itaipu Hidrelétrica e a empresa KWO. Mas, segundo declarou a Plurale o presidente da empresa, Cledorvino Bellini, o projeto não tem objetivos comerciais: “No momento, o que buscamos é desenvolver tecnologia, visando a expandir suas possibilidades de utilização. Mais especificamente, estamos trabalhando na melhoria da capacidade de armazenamento das baterias, visando à ampliação da autonomia do veículo e redução de custos”.
Ainda segundo Bellini, embora o carro elétrico tenha lugar assegurado na matriz futura da mobilidade - o que explica a parceria com Itaipu -, a Fiat enxerga o segmento como um nicho de oportunidade comercial a médio prazo: “Por enquanto”, afirma, “ainda não há escala suficiente para produção em massa, nem rede de abastecimento estruturada para atender a um mercado com a amplitude do nosso”. A fabricação dos 50 veículos contratados no projeto está em fase de conclusão.
Abaixo as emissões: híbridos e elétricos dominam corrida ecológica
A discussão sobre a adoção de tecnologias limpas na indústria automotiva avançou muito nos últimos anos. Atualmente, de modo simplificado, existem duas linhas de produtos: os chamados veículos elétricos puros, ou seja, movidos exclusivamente a bateria; e os veículos híbridos, que combinam motores a combustão e eletricidade.
Em geral, os veículos elétricos puros são compactos e destinados a pequenos deslocamentos, dada sua autonomia reduzida (entre 70 e 160 km). Essa limitação decorre do fato de que a capacidade de armazenamento de energia das baterias ainda é baixa, apesar da evolução ocorrida nos últimos anos no que toca ao elemento utilizado em sua confecção: do chumbo para o níquel e deste para os atuais íons de lítio, tecnologia desenvolvida pela indústria eletroeletrônica.
A energia para abastecimento das baterias provém de fonte externa ao veículo, como a rede elétrica, à qual o automóvel pode ser conectado através de uma simples tomada. Neste caso, para que o veículo seja considerado de emissão zero de carbono, é preciso levar em conta as fontes primárias utilizadas na geração dessa energia. Os veículos elétricos puros também podem ser alimentados por energia gerada a bordo, por células a combustível que consomem hidrogênio. Porém, este ainda é um recurso pouco empregado, dado seu alto custo.
Já os veículos híbridos têm sido uma alternativa mais difundida na indústria automotiva, pelo fato de superarem duas das mais evidentes limitações dos carros elétricos puros: tamanho e autonomia.
Também de modo resumido, dividem-se em três tipos: sistema em paralelo, no qual tanto o motor a combustão quanto o elétrico podem impelir o veículo, ao mesmo tempo ou de forma independente; sistema em série, no qual o motor a combustão não movimenta diretamente as rodas, mas apenas alimenta um gerador que recarrega as baterias e move o elétrico; e o que combina ambos os sistemas, chamado híbrido pleno (full hybrid), em que o motor a combustão pode recarregar a bateria mesmo quando estiver atuando na propulsão do veículo. Atualmente, alguns desses modelos podem ter suas baterias carregadas diretamente na rede elétrica. São os chamados híbridos plug-in.
As vantagens ou desvantagens dessas tecnologias variam em função do uso que se pretende fazer do automóvel. “Híbridos e elétricos são complementares, não-excludentes. Por sua maior autonomia, os híbridos proporcionam uma utilização mais abrangente, como em viagens, enquanto os elétricos puros têm vocação tipicamente urbana”, avalia Fábio Maggion, da Mitsubishi.
Da mesma forma, quando o assunto é o bolso do consumidor, também há vantagens e desvantagens: se o custo inicial ainda é elevado ante o dos similares tradicionais, o operacional é bem menor – cerca de quatro vezes menos por quilômetro rodado em reais. “Por essa razão, tornam-se mais vantajosos em situações de uso intensivo, como no caso dos táxis. Em Nova York, por exemplo, 40% da frota já é de híbridos”, diz Pietro Erber, da ABVE.
Em sua maioria, os especialistas consideram que os veículos híbridos, pelo fato de não exigirem mudanças imediatas de logística e infraestrutura, tendem a se consolidar como opções mais viáveis do que os elétricos a médio prazo. “No Brasil, podem se tornar economicamente viáveis em cinco anos, associando motores elétricos e movidos a etanol”, estima o gerente de Certificação da Toyota e diretor da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva, Edson Orikassa. Eles também concordam que a principal função dos híbridos será a de preparar, como o próprio nome sugere, uma transição para os elétricos puros, considerados mais limpos.
“Há um longo caminho a percorrer. O carro elétrico ainda vai conviver com as demais alternativas por muitos anos, sem eliminá-las. Mas certamente prevalecerá, no futuro, como a tecnologia energética mais eficiente”, aposta o diretor-presidente da ABVE, Pietro Erber. Ao que tudo indica, um caminho sem volta, um futuro sem marcha à ré.
Gurgel, um pioneiro plugado no futuro
“Carro não se fabrica, se compra”. A frase foi dita, nos idos de 1949, por um professor contrariado a um formando em Engenharia que acabara de apresentar como tese de conclusão de curso o projeto de um pequeno veículo de dois cilindros, batizado Tião, em vez de um guindaste, verdadeiro tema do trabalho. Só que o aluno, chamado João Augusto Conrado do Amaral Gurgel, apesar de ameaçado de reprovação, não se intimidou com a observação do mestre. Formou-se na Escola Politécnica de São Paulo, pós-graduou-se nos Estados Unidos e, de volta ao Brasil, tornou-se sinônimo de automóvel, ao fundar, em 1969, na cidade de Rio Claro, no interior paulista, a Gurgel Motores S/A.
De sua linha de montagem, e da cabeça do visionário engenheiro, saíram os primeiros e únicos carros genuinamente brasileiros da indústria automobilística nacional. Alguns chegaram a fazer história, como o urbano BR-800 e os utilitários Xavante e Carajás, todos movidos a gasolina. Mas o mais revolucionário deles certamente foi o elétrico Itaipu, lançado, por coincidência, no Salão do Automóvel de 1974, há exatos 36 anos. Seu nome era uma homenagem à hidrelétrica binacional que acabava de ser inaugurada, marcando uma nova era na política energética brasileira, em meio ao primeiro choque internacional do petróleo.
Pioneiro na América Latina, o carrinho de dimensões compactas (apenas 2,65m de comprimento por 1,40m de largura) e formato de trapézio transportava dois passageiros e era inteiramente feito de fibra de vidro, característica marcante de todos os veículos fabricados pela Gurgel. Alimentado por um conjunto de oito baterias de chumbo, o motor situado entre-eixos gerava potência de 4,2 HP, levando o Itaipu a atingir a velocidade de 50 km/h. A autonomia alcançava até 80 km e as baterias podiam ser recarregadas em tomadas comuns, a exemplo dos sofisticados elétricos e híbridos plug-in de hoje.
Porém, apesar da novidade, e da economia proporcionada pelo veículo em uma época de escassez de combustíveis fósseis, o Itaipu acabou sucumbindo aos obstáculos que sempre frearam a trajetória dos elétricos: peso e capacidade limitada de armazenamento das baterias, o que implicava baixa autonomia; tempo elevado para recarga; e, sobretudo, preponderância da eficiência econômica sobre a ecológica, em um mundo ainda longe de se preocupar com a preservação do meio ambiente. Superada a fase aguda da crise do petróleo, a fábrica seguiu produzindo modelos a combustão ao longo da década de 1980, mas acabou fechando as portas em 1994, pressionada por dívidas e pela concorrência de um mercado já mais aberto, complexo e disputado.
Falecido em janeiro de 2009 aos 83 anos, Gurgel deixou como principal legado a certeza de que carro se fabrica, sim – como atestam várias de suas “crias” ainda em circulação pelas ruas brasileiras, incluindo exemplares do Itaipu –, e que o Brasil, quarto maior mercado automobilístico do planeta, tem um papel a cumprir no desenvolvimento de tecnologias cada vez mais limpas para o setor. *Colaborou o jornalista Lélis Caldeira, autor do livro “Gurgel, um brasileiro de fibra” (Editora Alaúde, 2008)
Eike Batista de olho no mesmo circuito
Quase quatro décadas depois, a mensagem de Gurgel parece ter sido captada por outro empresário brasileiro cujo perfil também é marcado por ousadia e pioneirismo: Eike Batista, presidente do Grupo EBX. Em setembro deste ano, ele anunciou o interesse em construir uma fábrica para a produção de carros elétricos ao lado do Superporto do Açu, maior investimento em infraestrutura portuária da América Latina, em implantação no município de São João da Barra, no norte fluminense. Em fase de concepção e desenvolvimento, o projeto será baseado na formação de parceria tecnológica com grupos europeus e asiáticos. A estimativa inicial é de que a fábrica demande investimentos da ordem de US$ 1 bilhão, com capacidade inicial de produção de até cem mil carros por ano.
(Plurale)