Com queda no preço da energia eólica, projetos do setor vão multiplicar por sete a capacidade instalada no Brasil até 2013
Naiana Oscar e Renée Pereira - O Estado de S.Paulo
Era uma manhã de verão na praia de Taíba, a 55 quilômetros de Fortaleza (CE). Não é possível descrever com exatidão a paisagem naquele início dos anos 90, mas com certeza ventava. Vindo de Sorocaba, o engenheiro mecânico Pedro Vial atravessou as dunas de buggy, fincando hastes de metal na areia - dez ao todo. "De longe, parecia um campo de golfe", lembra. Mas era a pedra fundamental da primeira usina comercial de energia eólica no País.
As hastes provisórias indicavam o lugar onde mais tarde seriam instalados dez cataventos mais altos que o Cristo Redentor, no Rio. Ali, de frente para o mar, eles teriam de gerar 5 megawatts (MW) por hora - o suficiente para abastecer 100 mil residências em um ano. Vial conhecia pouco, ou quase nada, de usinas eólicas. Mas tinha acabado de ser apresentado a um empresário alemão, perito no assunto, que vislumbrou, antes de muitos, o potencial brasileiro.
Aloys Wobben, dono da Enercon, uma das maiores fabricantes de aerogeradores do mundo, incumbiu o engenheiro de Sorocaba de iniciar a operação no Brasil. "Quando comecei a oferecer nossos projetos para governos e concessionárias, parecia que eu estava recitando poesia, era coisa de desocupado", lembra Vial.
A usina de Taíba entrou em operação em janeiro de 1999. Desde então, a multinacional alemã, aqui chamada Wobben Windpower, ergueu 16 usinas no Brasil. Na porta da sala do engenheiro, uma mensagem impressa em papel sulfite dá noção do que foram esses últimos anos e do que vem pela frente: "Depois que o tigre é morto, todo mundo é caçador." Após uma década, explorando praticamente sozinha o mercado nacional, a empresa terá de disputar o tigre com os primeiros concorrentes. Eles estão chegando de todas as partes do mundo para explorar os ventos que sopram no País.
Alguns já fincaram suas bandeiras em território nacional e estão com a produção a plena carga, como a argentina Impsa e a americana GE. A francesa Alstom vai inaugurar sua unidade na Bahia em 2011. A corrida para abocanhar uma fatia do mercado conta ainda com a espanhola Gamesa, a indiana Suzlon, a dinamarquesa Vestas e a alemã Siemens. Multinacionais coreanas e chinesas podem engrossar o time, ávido por novos projetos.
A efervescência no setor é recente. Tem pouco mais de um ano. Antes disso, o preço da energia eólica era inviável para a realidade brasileira. Mas os ventos mudaram e os projetos deixaram de fazer parte da ideologia dos ambientalistas para virar alternativa de abastecimento energético do País.
Virada. Com a crise internacional, o consumo de energia recuou no mundo todo e os projetos de novas usinas foram paralisados, deixando as fábricas de equipamentos com a capacidade ociosa elevada, principalmente nos Estados Unidos e na Europa. Como o Brasil saiu rapidamente da crise e o consumo de energia passou a crescer 12% ao ano, os fabricantes globais se voltaram para o País.
O interesse cada vez maior das multinacionais pelo mercado brasileiro se refletiu diretamente nos preços da energia, que surpreenderam até os mais otimistas do setor no primeiro leilão de eólicas, em dezembro de 2009. Em média, os valores ficaram em R$ 148 o megawatt/hora (MWh) - um ano antes, custavam mais de R$ 200. Oito meses depois, o improvável ocorreu: o preço recuou para R$ 130 - mais baixo que os das tradicionais pequenas centrais hidrelétricas e das usinas de biomassa.
Na prática, os leilões representam a construção de 161 unidades até 2013. Hoje, são 45. A capacidade instalada vai crescer até sete vezes no período, saindo dos atuais 700 MW para 5.250 MW - resultado de uma montanha de investimentos, da ordem de R$ 18 bilhões, segundo o presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (AbeEólica), Ricardo Simões.
Perspectiva. A formação desse plano de investimentos e a expectativa de leilões regulares de energia eólica ajudaram a reforçar a aposta estrangeira no País. "O Brasil está se preparando para ter 20% de energia eólica até 2020", diz Arthur Lavieri, que há dois meses assumiu o controle da Suzlon. A multinacional anunciará até novembro o nome da cidade, no Ceará, que vai receber sua fábrica de aerogeradores. Será a única nova unidade do grupo até 2011. "Brasil, Índia e China são os três maiores mercados eleitos pela Suzlon", diz.
Bem antes de se decidir pelo investimento, porém, a Suzlon já experimentava os retornos do mercado brasileiro: 47% da energia eólica do País são produzidos com equipamentos da companhia. No passado, as máquinas eram importadas. Agora, tudo será feito com mão de obra nacional - a fábrica terá capacidade para produzir até 600 pás e 500 MW de turbinas por ano.
A Siemens, referência mundial na produção de turbinas para hidrelétricas, também corre para conquistar uma fatia do mercado. Para estrear na produção de geradores eólicos no Brasil, a alemã planeja uma nova fábrica no Nordeste. A alternativa da gigante GE foi fazer um "puxadinho" na sua unidade em Campinas para atender os contratos firmados no primeiro leilão de energia eólica, no fim de 2009.
Na ocasião, foram contratados 300 aerogeradores, com capacidade em torno de 450 MW. No segundo leilão, ela conquistou outra leva de pedidos, que somam quase 500 MW. A demanda elevada já mudou os planos da empresa, que estuda quatro locais para instalar uma nova fábrica, inclusive no Nordeste. Esta também foi a região escolhida pela Impsa, que construiu uma unidade em Pernambuco, com capacidade para produzir 600 MW por ano em turbinas.
Investidores. Todos esses fabricantes de equipamentos firmaram pré-contratos com os investidores que participaram dos leilões e que vão construir as usinas. Uma das empresas que mais fecharam negócios nos últimos dois leilões é a brasileira Renova. Com dez anos de mercado, ela fatura hoje R$ 37 milhões. Até 2013, esse valor vai quase multiplicar por dez com os novos contratos. A espanhola Iberdrola também teve forte participação nas disputas e já encomendou equipamentos da fabricante Gamesa, que tem planos de abrir fábrica na Bahia.
Para a pioneira Wobben, tantos concorrentes devem representar um recuo na participação no mercado, de 50% para 35%. Mas Pedro Vial parece tão hipnotizado com as perspectivas do setor que tem deixado a preocupação com os novos competidores em segundo plano. A multinacional fabrica em média 20 aerogeradores por mês. São peças gigantes: só as pás pesam 6,5 toneladas cada uma e, os geradores, outras 61 toneladas. Até 2009, 80% das máquinas eram vendidas para o exterior. Aos poucos, as usinas brasileiras têm ganhado mais espaço no portfólio da empresa. Em 2010, as exportações já caíram para 60%. No ano que vem, não devem passar de 15%.
Perto da Wobben, em Sorocaba, está instalada outra gigante do setor, a Tecsis, segunda maior fabricante de pás do mundo. A empresa fundada por engenheiros do Centro de Tecnologia Aeroespacial de São José dos Campos tem dez unidades de produção. Em 15 anos de existência, todas as 30 mil pás produzidas foram exportadas. Não havia nenhuma pá da Tecsis girando em usinas brasileiras até o início deste mês, quando os equipamentos foram inaugurados num parque eólico da Impsa.
"Já tive a oportunidade de ver nossas pás em operação no Japão, nos EUA, na Europa, e era uma frustração não vender para o Brasil", diz o presidente da Tecsis Bento Koike. "Nossos clientes não olhavam para esse mercado, porque não interessava." Agora, a situação mudou. Cerca de 85% dos projetos contratados nos dois leilões terão pás da Tecsis. Para atender à demanda brasileira, a empresa vai montar uma fábrica no complexo industrial de Suape, em Pernambuco.