segunda-feira, 18 de março de 2013

Sucessivas intervenções do governo prejudicam estabilidade do setor, dizem agentes

Mudanças não têm sido vistas com bons olhos tanto pelo setor produtivo quanto pelo mercado financeiro 
Por Natália Bezutti e Maria Domingues


O governo brasileiro tem deixado muitos agentes do setor elétrico preocupados, fazendo e refazendo cálculos nos últimos meses. Segundo o mercado, a série de intervenções que têm sido aplicadas sucessivamente, têm mostrado a instabilidade e, muitas vezes, a mudança de rumos à revelia das empresas e dos diversos segmentos nos quais o setor pode ser desmembrado: geração, transmissão, distribuição, comercialização e indústria.

A crítica do empresariado é antiga e corroborada por investidores estrangeiros, bem como de braços ligados ao poder público, como foi o caso do secretário de energia do Estado de São Paulo, José Aníbal, que não mediu palavras ao falar sobre a renovação da hidrelétrica Três Irmãos, a qual não foi solicitada pela Cesp. 

“O governo se manteve em uma postura fechada ao entendimento”, disse Aníbal na época.

Segundo João Carlos Mello, ex-presidente da Andrade & Canellas, agora à frente da Thymos Energia, no momento em o país quer voltar a captar recursos, com um risco regulatório baixo, o investidor não se interessa pelo mercado, pela falta da certeza de retorno. 

“Isso afasta porque os investidores colocam o dinheiro com a perspectiva de receber a receita e, se você começa a fazer intervenção, não tem essa segurança. 

A intervenção do governo em si está causando uma apreensão no mercado. Os mais afetados são os geradores e comercializadoras. E, evidente, que se os vendedores são afetados, os consumidores serão.”, aponta.

Listando as medidas mais recentes, e polêmicas, está a Resolução nº3 do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), ajuda para as distribuidoras através do repasse de recursos da Conta de Desenvolvimento (CDE), através do Decreto nº 7.945, e a suspensão de liquidação de contratos de janeiro de 2013.

Sobre a resolução do CNPE, um agente do setor comenta que com isso foi criado uma espécie de "CPMF da energia" que em cascata, ou irá reduzir a margem de todo o setor, ou o que considera mais provável, seria o repasse ao consumidor. 

“Em resumo, o governo arrecadará dos agentes de geração e comercialização os recursos que em um mercado menos líquido e com menos competição, serão repassados diretamente aos consumidores que por hora ainda comemoram essa medida”, comenta o agente;

De acordo com ele, o setor tem criado regras, resoluções e portarias sem simular os efeitos em toda a cadeia envolvida, o que estaria resultando na destruição de valor das empresas, desorganização do setor, risco de solvência, mas com alguns protegidos. “O ano de 2012 deveria ter sido o ano do mercado livre. Ao invés disso foi o ano da intervenção no mercado livre de energia”.

Mas para João Carlos Mello, da sequência de atos do poder regulatório e do Ministério de Minas e Energia que têm influenciado o mercado, a mais grave foi a suspensão da liquidação. 

“O mercado está fazendo uma leitura de quebra de contrato. E quando você suspende, afeta contrato de leilão que são base de pagamento do Preço de Liquidação das Diferenças (PLD), afeta as térmicas que rodaram e que vão ficar sem receita para pagar o combustível que usaram... Essa parada de janeiro é mais complexa do que o racionamento de 2011, que foi quando o mercado ainda estava nascendo, o sistema está muito complexo”.

Mercado financeiro
Se no setor produtivo as medidas não estão sendo bem assimiladas, no mercado financeiro a aversão ao risco aumenta a cada nova medida. Para Alexandre Furtado Montes, da consultoria de investimentos Lopes Filho, criou-se um circulo vicioso no setor elétrico. "Cada intervenção cria um problema, cada problema cria uma nova intervenção, que cria um problema e por aí vai", disse.

"O investidor estrangeiro detesta ingerência pública e isso é o que mais está acontecendo no setor elétrico", relata Guido Chagas, sócio-diretor da Humaitá Investimentos. O fundo de investimentos Skagen, da Noruega, ilustra bem o fenômeno descrito por especialistas. 

Em novembro de 2012, dias antes do anúncio oficial sobre a renovação de suas concessões de geração e transmissão, o fundo detinha 15,22% das ações preferenciais classe B da Eletrobras e era o principal investidor estrangeiro da companhia.

A norueguesa foi se desfazendo aos poucos dos papéis e, em 04 de março, esse percentual atingiu 4,71%, ou seja, uma redução de mais de 10 pontos percentuais (pp). De acordo com o último informe do fundo, a meta é continuar reduzindo posição em Eletrobras.

De acordo com Chagas, o estrangeiro não aposta em papéis do setor elétrico para o longo prazo. "O estrangeiro vem e aproveita um momento bom momento de uma ação, mas não é mais uma posição duradoura, como de outros tempos", disse.

Chagas descreve que a volatilidade por conta das mudanças regulatórias são tão grandes, que o investidor faz uma espécie de rodízio entre os papéis. "Um dia a notícia é boa para o distribuidores e o investidor tenta aproveitar, depois ele muda para uma ação de um outro segmento de negócio, por conta de uma outra mudança", disse.

Para Montes, as decisões tomadas pelo Governo Federal não mensuram riscos. "A Dilma entende do setor elétrico, mas não entende nada de negócios. 

O governo dela afastou os investidores", disse.