segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Precisamos mesmo ter um carro?

Mike Rosenberg, professor do IESE Business School, afirma que a popularização do carro elétrico e novos modelos de transporte urbano trariam vantagens para as cidades e empresas 
 
Clarice Couto

O americano Mike Rosenberg, professor do IESE

O americano Mike Rosenberg fala um perfeito “espanhol da Espanha”, exceto por alguns deslizes com um “r” americanizado. Na unidade IESE Business School em Barcelona, Espanha, ele leciona “gestão estratégica” – mas pode perguntar qualquer coisa sobre carros elétricos e híbridos que ele não economiza nas palavras para responder. 
 
Em suas pesquisas mais recentes, tem abordado o potencial das fontes alternativas de energia para tornar diferentes indústrias mais competitivas. A automotiva é uma delas. Nesta entrevista, ele traz uma série de opções para este e outros setores: do abandono da ideia do “carro próprio” à possibilidade de usar a energia do carro elétrico para as necessidades de uma casa.

Você afirma que as empresas poderiam aumentar sua produtividade se investissem mais em energia renovável. De que forma?
No caso de algumas empresas, gerar sua própria energia pode dar maior segurança ao suprimento de energia. Esse é um tema muito importante para alguns países.

Na África, existe o problema da fiabilidade do suprimento de energia. E a capacidade autônoma de gerar energia, convencional ou alternativa, poderia melhorar o desempenho de uma empresa. Na área do marketing, algumas companhias podem tentar ser mais sustentáveis que outras ou argumentar que sua energia é de fonte limpa. Os consumidores, porém, ainda não pagam mais por um produto verde. Se o preço for o mesmo, aí elas vão optar pelo produto verde.

Nos Estados Unidos e na Europa, as montadoras têm investido muito em veículos elétricos e híbridos. Paralelamente, aposta-se nos combustíveis renováveis, como o etanol de cana-de-açúcar e de milho. Se os carros híbridos e elétricos ficarem mais baratos, para quais situações eles seriam indicados?
O carro elétrico ainda é muito mais caro que o convencional. Por quê? Porque no custo da energia convencional não contabilizamos o da emissão de carbono. As despesas decorrentes do impacto climático não figuram nestes cálculos. Não pagamos uma taxa de carbono. É por essa razão que os carros elétricos têm um preço muito maior que os convencionais.

Na produção de um carro elétrico ou híbrido, que fatores o tornam mais caro?
Se compararmos um carro elétrico e um convencional, quase tudo é igual. As exceções são o motor, o centro de controle elétrico – equivalente à caixa de câmbio – e a forma de guardar energia. O motor, algum dia, vai custar o mesmo. O controle de energia, também. O que não vai ter o mesmo preço é o tanque de gasolina e o jogo de baterias.

Um tanque feito de plástico custa para o fabricante uns US$ 20. Um jogo de baterias varia de US$10 mil a US$ 50 mil. E estou assumindo que o custo do resto é igual, o que não é verdade, porque os volumes são mais baixos. Em todo o mundo, a Nissan vendeu até hoje 20 mil unidades do Leaf (carro 100% elétrico), o que é muito pouco. Como o grande problema são as baterias, alguns fabricantes estão vendendo os automóveis e alugando as baterias, já que depois de dois ou três anos elas deixam de funcionar.

O carro elétrico é apropriado para qualquer país?
Depende de como o país produz energia elétrica, o carro elétrico pode ser muito melhor, igual ou pior que o convencional. No Brasil, onde a maior parte da energia é hidrelétrica, pode-se dizer que é uma grande vantagem usá-lo. Na China, isso não está claro porque boa parte da energia é gerada a partir do carvão. O carro elétrico tem outra vantagem pouco difundida: ele contribui para diminuir a poluição atmosférica local. 
 
Não se trata aqui de combater as mudanças climáticas, mas da fumaça emitida pelos automóveis. Em Los Angeles, nos Estados Unidos, em México D.F., em São Paulo, a qualidade do ar é muito ruim. Deveríamos contabilizar o custo das doenças relacionadas à má qualidade do ar para ter uma argumentação mais forte a favor do carro elétrico.

O que pode ser feito para estimular a popularização dos carros elétricos?
Os governos deveriam impor taxas a todos os automóveis, menos aos elétricos. Em Londres, se um cidadão quiser entrar na cidade com seu carro, deve pagar uma tarifa. Pense em uma cidade como São Paulo: se o governo estipular que o cidadão não poderá circular com seu carro mais de dois dias pela cidade, a menos que o carro seja elétrico, haveria uma mudança no cenário. Ou se cobrasse uma taxa por dia para que carros convencionais entrassem na cidade, haveria um aumento dos elétricos no país.

Os fabricantes de carros logo iam buscar soluções para os problemas atuais. Sem esse tipo de ação do governo, é pouco provável que o mercado se desenvolva. O Brasil pode explorar ainda outra opção. O consumo de energia elétrica tem picos de maior demanda. As pessoas usam mais energia durante o dia e menos à noite. Sendo assim, algumas famílias poderiam ter carros elétricos, recarregá-los durante a noite e utilizá-los de dia. Estes mesmos veículos podem servir como bateria para a casa, quando não estiverem rodando.

Para isso, os carros precisariam ser mais baratos.
Ou subsidiados. Talvez uma empresa geradora de energia tenha interesse em subsidiar a compra de carros elétricos para carregá-los. Acho difícil só a demanda do consumidor, sem estímulos, conseguir reduzir o custo do carro elétrico. Ainda mais no Brasil, um país com tradição agrícola e estados produtores de cana-de-açúcar muito comprometidos com a produção de etanol. É pouco provável que o Brasil mude de política e passe a apoiar mais o carro elétrico que o etanol.

O carro elétrico também é indicado para percorrer longas distâncias como de estradas do Brasil e dos Estados Unidos?

Para viagens de trajetos longos, os carros convencionais são muito mais indicados.

O ideal seria utilizar cada veículo para uma situação diferente. Se você mora nos arredores da cidade de São Paulo, usa o carro elétrico. Se vai fazer viagens mais longas, usa o convencional. Essa é a melhor opção, mas não é a mais barata. Talvez precisemos rever o conceito de ter um carro. Por que temos que ter um carro? Não sabemos responder. E se deixarmos de ter carros, e começarmos a compartilhar os carros? Existem empresas que trabalham com isso. Você entra em um site, reserva um carro e vai aonde quiser.

Um sistema como esse requer uma mudança cultural?

Claro, porque hoje existe aquela ideia do “meu carro”. Hoje eu vim trabalhar com meu carro. Durante o dia, ele poderia estar sendo usado por outras pessoas. Não existe um modelo único de estímulo ao carro elétrico. Se houvesse vontade política em um país, seria uma via; o interesse das companhias de energia de comprar as baterias para os usuários, outra; a mudança de mentalidade das pessoas, uma terceira opção. Algum desses fatores poderia ser a chispa para o avanço dos carros elétricos.

As empresas estão perdendo oportunidades por não explorar os negócios que os carros elétricos podem criar?
O consumo de energia de um carro elétrico é como o de uma geladeira, talvez duas, que só consomem à noite. Isso para as companhias de energia é muito atrativo como negócio. Criar um modelo já é algo complexo. Nos Estados Unidos, em que boa parte da população mora em casas, é bastante simples que cada casa tenha um carregador de baterias. Se as pessoas moram em apartamentos, onde vão recarregar os carros? Nos estacionamentos? A infraestrutura para os automóveis à gasolina está montada. A necessária para os carros elétricos, não.

Em alguns países europeus, como Espanha e Reino Unido, o governo vem retirando os subsídios para que as empresas invistam em energia renovável. Que conseqüências essas medidas podem ter?
Na Espanha, as regras do jogo mudaram para os feed-in-tariffs (incentivos econômicos para o investimento em energias alternativas) para energia solar e eólica. As companhias de energia tinham obrigação de comprar a energia por um dado preço de quem investiu nas instalações. 
 
O que aconteceu é que o governo não tem dinheiro para pagar o preço combinado. Pior: está pedindo que o investidor devolva o dinheiro que recebeu pela energia nos últimos quatro anos. Este caso está nos tribunais. 
 
O problema desse episódio é que no modelo de feed-in-tariffs, o investidor precisa ter a confiança de que vai recuperar seu investimento. Se as regras do jogo mudam, perde-se a confiança. Mas a Alemanha e a Espanha conseguiram incentivar muito o setor de energia solar por este método. O mesmo poderia acontecer com o Brasil, desde que com regras claras.